CEO do Good Food Institute no país, Gustavo Guadagnini acredita na boa intenção do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos ao reduzir proteínas de origem animal nas refeições servidas em Paris, mas reconhece as limitações nesse tipo de abordagem.
 
Três meses antes do início das Olimpíadas, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos causou controvérsias e está gerando muitas reclamações, principalmente por parte dos competidores e suas respectivas delegações, ao tomar a decisão de reduzir as proteínas de origem animal, o que atinge diretamente a dieta dos atletas. Por causa disso, alguns países chegaram a levar seus próprios chefs de cozinha.

O objetivo era mitigar a pegada de carbono no maior evento esportivo do planeta, baseado no documento “Visão Alimentar de Paris”, que previa a emissão de um quilo de gás carbônico por refeição, ou seja, a metade da pegada de carbono de dois quilos de CO₂ que foram emitidos em cada refeição servida na edição de Tóquio (Japão), realizada em 2021.

“Essa decisão reflete uma mudança importante rumo à sustentabilidade, especialmente considerando o simbolismo de Paris, cidade que foi sede do histórico Acordo de Paris sobre o clima. A produção de carne – responsável por 17% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) – é um dos principais contribuintes para a crise climática. Portanto, é essencial abordar o impacto ambiental dos alimentos em eventos de grande escala, como as Olimpíadas”, avalia Gustavo Guadagnini, CEO do Good Food Institute Brasil (GFI).

Eleito pela Revista GQ, no ano de 2020, como uma das 25 personalidades globais que podem salvar o mundo, o executivo reconhece, no entanto, as limitações de abordagens que proíbam certos comportamentos alimentares, em vez de promoverem as mudanças por meio de escolhas e inovações, como é o caso do GFI. A instituição é reconhecida por desenvolver o setor de proteínas alternativas, um mercado que pode ajudar os países em suas estratégias de descarbonização, além de liberar terras agrícolas para produção de alimentos, gerar economia de água e conter o surgimento de doenças zoonóticas.

Guadagnini acredita na relevância de ajudar as pessoas a reduzirem o consumo de produtos de origem animal e adotarem uma dieta mais sustentável, ofertando produtos que caibam na rotina e hábitos alimentares das pessoas, com menos prejuízo à natureza e benefícios à saúde. “Por exemplo: as carnes vegetais, que estão disponíveis hoje, permitem que as pessoas mantenham suas preferências alimentares, mas com uma fração do impacto ambiental e vantagens à saúde como redução no colesterol e adição de fibras à dieta, por exemplo. Acreditamos que promover essas opções viáveis seja a chave para uma mudança duradoura e significativa, permitindo que todos desfrutem dos alimentos que amam com responsabilidade ambiental”, ressalta o CEO do GFI Brazil.

Durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos em Paris, o comitê organizador planejou colocar à mesa: duas vezes mais alimentos à base de plantas por duas vezes menos CO₂; e alimentos 100% certificados, incluindo 80% de produtos de origem francesa, sendo 25% em um raio de 250 quilômetros dos locais de competições e 30% de produtos orgânicos. Ainda pretende reduzir, pela metade, a quantidade de plástico descartável na etapa de consumo, além de limitar o desperdício e reciclar 100% dos alimentos não consumidos.

Alternativa à carne tradicional

Diante da crise climática e dos debates em torno do atual modelo de consumo de alimentos, uma das iniciativas defendidas pelo GFI envolve pesquisas para o desenvolvimento da carne cultivada – ou “cultivated meat”, em inglês – como alternativa à carne tradicional, incluindo a de boi, frango, suíno, pescados e frutos do mar.

“Certamente, estamos presenciando uma mudança significativa nos hábitos alimentares globais e o Brasil tem um potencial único para liderar essa transição das novas tecnologias de carne. A diversificação nesse setor é uma tendência inevitável e não se trata de alcançar uma porcentagem específica no mercado, como veganos e vegetarianos, por exemplo, mas de oferecer novas opções de fontes de proteínas a todos os consumidores”, avalia Guadagnini.

Antes de qualquer debate sobre o futuro, ele acredita que seja fundamental esclarecer que a carne cultivada é autêntica à carne, idêntica à convencional em nível celular, sendo produzida a partir de células animais sem necessidade de abate. “Esse processo imita os processos biológicos naturais, em um ambiente controlado e sem sintetizar células ou usar moléculas artificiais. As células são, inicialmente, coletadas de um animal vivo e depois cultivadas em uma fábrica”, explica.

Ele reforça que, diferentemente do que sugere o termo “carne de laboratório”, usado muitas vezes para gerar desinformação e desconfiança, esse produto não é sintético: “O termo correto e mais transparente para descrever esse produto é ‘carne cultivada’, que explica adequadamente o método de produção e ajuda a evitar mal-entendidos entre os consumidores”.

Recentes inovações

Ao analisar as recentes inovações deste novo mercado, Guadagnini cita a empresa holandesa Mosa Meat, que captou €40 milhões em abril (mais de R$ 220 milhões), para expandir a produção e reduzir custos. “Após os Países Baixos permitirem degustações de carne cultivada, a Mosa Meat se prepara para introduzir essas novidades ao público. Trata-se de um exemplo claro de como a tecnologia está avançando rapidamente”, relata o executivo.

O CEO do GFI Brasil menciona que Singapura foi o primeiro país a aprovar a venda de carne cultivada, em dezembro de 2020, passando a ser comercializada pela Good Meat em alguns restaurantes, por aproximadamente 85 reais (23 dólares de Singapura). “Os Estados Unidos foram o segundo país a conceder essa aprovação, em junho de 2023. Os produtos de frango cultivado da Upside Foods e da Good Meat estrearam em dois restaurantes, nos meses seguintes”, exemplifica.

Também salienta que Israel foi o primeiro país a conceder a aprovação regulatória para a carne cultivada bovina, em janeiro de 2024, e a Aleph Farms comercializará seus produtos no país pela marca Aleph Cuts. “Esses desenvolvimentos mostram um futuro promissor para a carne cultivada como uma alternativa sustentável e economicamente viável”, diz Guadagnini.

Em estreia mundial, a Gourmey, empresa especializada em alimentos cultivados premium, com sede em Paris, solicita aprovação para entrar em cinco mercados globais iniciais: Singapura, Estados Unidos, Reino Unido, Suíça e União Europeia.

Cenário no Brasil

Conforme o executivo, o Brasil não fica atrás de outros países no que se refere à capacidade científica para desenvolver alternativas à carne tradicional. “Temos cientistas de excelência, universidades renomadas, centros de pesquisa e uma instituição de destaque, como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)”, pontua ele, acrescentando que, por aqui, existe algo em torno de 21 grupos de pesquisa dedicados a essa área, em várias regiões do país.

“Também é importante destacar os investimentos de grandes players brasileiros, como a BRF e a JBS nesse setor, além de três startups inovadoras: Cellva, Sustineris Piscis e Moondo Biotech. A JBS, especificamente, inaugurou um significativo centro de tecnologia em Florianópolis (SC), reforçando o potencial do nosso país em investimentos privados. No entanto, admitimos que ainda há um longo caminho a percorrer para que o Brasil possa liderar, globalmente, esse setor”, pondera.

Guadagnini destaca que, financeiramente, a JBS investiu US$ 62 milhões na construção do JBS Biotech Innovation Center, em Florianópolis, além de US$ 41 milhões na BioTech Foods, na Espanha. A BRF aplicou US$ 2,5 milhões para se associar à startup israelense Aleph Farms. A startup brasileira Cellva, por sua vez, investiu R$ 1 milhão e captou adicionais R$ 6,5 milhões para desenvolver gordura de suíno cultivada. Já a foodtech nacional Sustineri Piscis, que trabalha com peixe cultivado, reportou um valuation de R$ 25 milhões.

Na visão do executivo, para que o Brasil ganhe protagonismo nesse segmento, é essencial ter mais investimentos, particularmente os públicos, para que o país se posicione na vanguarda da carne cultivada.

“Em escala mundial, o GFI estima que seria necessário aplicar cerca de US$10 bilhões (ou R$ 50 bilhões), anualmente, para o avanço do setor para uma fase de comercialização, em larga escala e com preços competitivos. Uma parcela considerável desses investimentos deveria ser destinada à pesquisa de acesso aberto, destacando a importância de ter mais apoio governamental e filantrópico”, salienta Guadagnini.

Ele ainda menciona algumas iniciativas brasileiras, financiadas pelo GFI, que mostram o progresso significativo nessa área: “Uma delas envolve um estudo pioneiro sobre a segurança da carne cultivada, divulgado em outubro de 2023, coordenado pelo pesquisador Anderson de Souza Sant’Ana, da FEA/Unicamp (Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade de Campinas) e pelo time do GFI Brazil”.

Outro trabalho científico vem sendo conduzido pela doutora em Engenharia e Ciência de Alimentos Vivian Feddern, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, a partir do desenvolvimento de uma técnica para produzir pedaços inteiros de frango cultivado, semelhantes ao sassami, usando nanocelulose bacteriana como ‘scaffold’.

“Esse material é comestível, produzido localmente e já reconhecido como seguro (GRAS, sigla para “Geralmente Reconhecido como Alimento Seguro”) pela FDA (Food and Drug Administration, agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA)”, ressalta o executivo.

Doutor em Ciência e Engenharia de Materiais na área de Ciência dos Polímeros, o pesquisador João Paulo Ferreira Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está à frente de pesquisas para criação de cortes inteiros de carne de frango cultivada. “Seu trabalho envolve um scaffold híbrido de nanofibras de acetato de celulose e micropartículas de um hidrogel, composto por óleo de canola e alginato, para o cultivo de células musculares de frango”, destaca Guadagnini.

Entre as mais empolgantes novidades está a publicação da Resolução RDC Nº 839, feita pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no dia 18 de dezembro de 2023, que regulamenta o registro de alimentos e ingredientes inovadores, incluindo os oriundos de cultivo celular e fermentação de precisão.

Na opinião de Guadagnini, está muito claro qual será o caminho para as empresas que desejam submeter seus produtos à aprovação da Anvisa: “Essa RDC, por exemplo, abre caminhos para atrair investimentos para o nosso país, nos colocando cada vez mais próximos de lançar carnes cultivadas no mercado nacional, a partir de células cultivadas”.

New Meat Brazil 2025

Para apresentar ao público as recentes inovações da carne cultivada, pela primeira vez, ela será tema principal de um encontro no país: a quarta edição do New Meat Brazil 2025 – 4º Salão Internacional de Carnes Cultivadas e Proteínas Alternativas, que será realizado entre os dias 14 e 15 de março do ano que vem, em São Paulo.

CEO e cofundadora da New Meat Brazil, Lúcia Abdala compartilha sua visão sobre esse marco histórico: “A carne cultivada representa uma oportunidade única para abordar os desafios ambientais e de saúde enfrentados pela indústria de alimentos. Estamos entusiasmados em liderar esse movimento no Brasil e apresentar soluções inovadoras que beneficiem tanto os consumidores quanto o planeta”.

De acordo com o CEO do GFI Brasil, durante o evento serão abordados temas vitais, como saúde, aceitação do mercado, processos de distribuição, varejo e a indústria de bioingredientes. “O público terá a chance de interagir com os principais cientistas, empresários e reguladores do país, além de entender porque a carne cultivada é considerada uma das alternativas alimentares mais promissoras para as próximas décadas”, diz Guadagnini.

Embora ainda esteja atrás de outras lideranças globais, como Estados Unidos, Israel e Singapura, ele reforça que o Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo: “Não podemos nos dar ao luxo de perder tempo. Por isso, reunir os principais líderes do setor de carne cultivada, em um único fórum, certamente abrirá novas oportunidades para superarmos os desafios mais significativos”. 

Saiba mais: New Meat Brazil 2025

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